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O tratamento analítico: é o conjunto do caminho que
o analista e o analisando seguem. E há momentos de ruptura, momentos radicais
que chamamos de “experiência”. A direção do tratamento, é conduzida para esse
ponto de experiência.
O objetivo mais imediato é fazer surgir a seqüência
da transferência. E o índice é oferecido pelas diferentes modalidades da fala
do analisando. Mais exatamente, o índice que nos permite conduzir esse
tratamento é constituído pelas diferentes modalidades das demandas do
analisando.
No ponto de ruptura que chamamos de “seqüência
transferencial”, nesse momento de transferência, o analista deixa a posição de
direção do tratamento, abandona a posição de domínio, a partir da qual ele
dirigia o tratamento, até então. Nesse momento, ele ocupa outro lugar: o de
objeto de transferência. Isso significa que a condução de uma análise pode
orientar-se segundo diferentes momentos ou diferentes fases do tratamento, que
serão momentos separados, divididos de acordo com um critério que é aquele do
tipo de relação que o analisando tem com a sua fala.
As diferentes fases do
tratamento são: retificação subjetiva, sugestão, neurose de transferência e
interpretação. A Primeira fase é a que podemos chamar de “fase de retificação subjetiva”. Ela
ocorre durante a primeira ou as primeiras entrevistas, no quadro do face-a-face
com o paciente. Particularmente no fim da primeira entrevista e na seguinte, introduzimos
o paciente a uma primeira localização da sua posição na realidade que ele nos
apresenta. Ele pode nos falar de sua realidade, inscrita numa família, num
casal, numa situação profissional. O que nos importa, principalmente, se refere
à relação que a pessoa que faz uma consulta mantém com os seus sintomas. É
sobre esse ponto que intervirá o que chamamos de “retificação subjetiva”. Essa
relação com os sintomas é uma relação de sentido. O paciente dá um sentido a
cada um dos seus sofrimentos, a cada um dos seus distúrbios. Retificação Subjetiva significa que
intervimos no nível da relação do Eu do sujeito com os seus sintomas.
A Segunda fase é
a fase inicial. Diria que é a fase constituída por dois Atos psicanalíticos
fundamentais, os dois Atos psicanalíticos maiores entre todos aqueles que um
analista pode realizar: em primeiro lugar, o Ato de aceitar analisar o
paciente, e em segundo lugar, o Ato de enunciar a regra fundamental.
Todos esses elementos: quadro, regra, silêncio e
objeto de sugestão, suscitam e mantêm a fala do paciente como uma fala em
expectativa, como se ele falasse esperando. É perfeitamente visível e
detectável. É o que se chama de “demanda de amor”. Não é uma demanda de amor ao
analista, como às vezes se pensa. É uma demanda de amor no sentido em que é uma
fala de promessa. Estamos no momento da promessa. “O amor” — na definição de
Lacan — “é dar o que não se tem”. Dar o que não se tem quer dizer simplesmente
prometer. Dou o que não tenho, quando prometo.
Durante esse período, o analisando vive na
expectativa dessa promessa aberta, desse amor aberto que a análise significa.
Não é uma demanda de amor ao analista. O analista não é o objeto de amor nesse
momento. É uma demanda de amor no sentido de uma fala em expectativa. Essa
demanda de amor se manterá enquanto o analisando não descobrir que, finalmente,
é uma demanda inaceitável. Enquanto isso, a sugestão se instala. Essa segunda
fase de que falamos é a fase da sugestão ou fase da demanda de amor.
A Terceira
fase é o momento mais fecundo do tratamento analítico. É o momento mais
fecundo, mais doloroso, e é o momento que os analistas, em geral, resistem
também eles a abordar ou a experimentar. Há como que uma espécie de
cumplicidade entre o paciente e o analista, para evitar chegar a esse terceiro
momento, que é o momento da transferência. Nesse momento, a demanda de amor
sofre decepção. É uma demanda que vai descobrir a sua carência, o seu caráter
inaceitável, como eu disse há pouco, e vai se transformar em outra demanda,
mais rara, uma fala mais pura mas, principalmente, passional. É o momento
fecundo, doloroso e passional da análise. Passional, mas não apenas de amor
passional; é um momento de violência, agressividade, ódio e profunda ignorância
passional.
Nesse momento fecundo da análise, doloroso e
passional, o amor que está ali não é o amor da demanda de amor. É um amor que
fere. É o amor da decepção, aquele que pode se tornar erotomania. Esse momento
fecundo, esse momento se caracteriza pela emergência, pelo retorno do recalcado
dos significantes ligados às pulsões. Por assim dizer, haveria: a primeira
fase, a demanda de amor; a segunda fase, o objeto de sugestão; a terceira fase,
quando a demanda de amor se torna uma demanda mais pura.
Freud, falando da resistência, dizia: “Quanto mais
nos aproximamos do núcleo patógeno, mais forte é a resistência.” O “núcleo
patógeno”— vamos retomar a imagem — seria o cerne do Eu. Ele considera o Eu
como uma instância composta de múltiplas imagens produzidas por identificações
imaginárias. E, no centro do Eu, algo que não é o Eu, um elemento que seria o
Gozo que habita no Eu, o verdadeiro objeto do Gozo, situado no centro do Eu. O
momento da transferência ocorre quando todas essas camadas imaginárias
desaparecem e só resta a última camada, a mais próxima desse objeto. Ao invés
de dizer: a última camada, a mais próxima do objeto, também poderíamos dizer: a
demanda mais pura, mais representativa da pulsão recalcada. É então que aparece
a demanda mais pura, a imagem mais próxima do objeto no centro do Eu, quando
nada mais existe do Eu. É então que surgem os elementos passionais do amor, do
ódio e da ignorância. Esses momentos são os mais dolorosos para o paciente e
para o analista. Para nós, é difícil aceitar tomar esse caminho. É muito mais
aceitável, muito mais fácil no nosso trabalho, mantermo-nos na etapa da fase
que chamei de “sugestão da demanda de amor”, evitando abordar essa experiência particular
da transferência.
O analista, diante dessa experiência do momento
transferencial, deixa o lugar de intérprete. Deixa o lugar onde tem que assumir
o papel de dirigir o tratamento e onde se defronta com o fato de vir a esse
lugar atribuído pelo paciente, que é o lugar do objeto desse núcleo no cerne do
Eu.
A resistência do analista é a de não querer chegar a
esse momento passional da seqüência transferencial. Primeira acepção da palavra
“resistência”: a do analista. Há uma segunda acepção, é a resistência do Eu. A
palavra “resistência” está sempre em relação com o Eu. É um fenômeno no nível
das camadas imaginárias. A resistência do Eu é aquela que este opõe para não
viver a experiência de abertura do Eu até o objeto de Gozo, que jaz em seu
cerne, no seu centro. É o momento mais fecundo da análise. É o momento em que o
analisando tem uma oportunidade de “ser privado de”. Freud menciona claramente
ao longo da sua obra a idéia de que a análise se desenrola numa atmosfera de
privação. Essa atmosfera de privação, de frustração, não tem nada a ver com a
dor desse momento de seqüência transferencial. Uma coisa é a demanda de amor
ser inaceitável; outra é senti-la, experimentá-la, fazer a experiência de ter
que revelar o ponto central, o núcleo do Eu, isto é, o ponto no qual o objeto
enquanto tal aparece na superfície. É o que, na teoria lacaniana, se pode
chamar de “falta a ser”. O sujeito, o analisando, é confrontado não só com a
inaceitabilidade da demanda de amor, mas também é confrontado com a falta a ser. Isso quer dizer que o seu
ser é uma falta, que seu verdadeiro ser na análise não é ele, o seu Eu: é o que
jaz no Eu. O que jaz no centro do Eu
é uma falta. É um ponto
fundamental, enigmático. É um ponto central, aquele que chamamos habitualmente,
na terminologia lacaniana, de objeto “a” ou objeto de Gozo. Nesse momento de
seqüência transferencial, nesse momento fecundo, o analista deve silenciar.
Deve fazer silêncio e, como sabemos, há várias formas de silêncio. O analista
deve fazer “silêncio-em-si” para
fazer surgir o Grande Outro. É nesse momento que o analista faz com que surja o
Grande Outro. Para que ele surja, é necessário que o analista faça silêncio em
si. Se o analista faz ativamente
silêncio em si, é ele que dirige o
tratamento. Se não o faz, ignora quem conduz o tratamento nesse momento.
O que importa é o nosso próprio desejo
e essa capacidade que temos de fazer silêncio em nós mesmos.
A última fase é a da interpretação. Poderíamos dizer que a transferência, a fase de
transferência, é a análise. O aparecimento desse momento transferencial já
significa a análise em Ato da fase de sugestão. Em outros termos: a passagem da
demanda de amor para a demanda mais pura significa, mesmo sem a intervenção do
analista, que ele praticou a análise da sugestão e sua transformação na
transferência. A transferência é a análise da sugestão e, por conseguinte, a
interpretação é a análise da transferência. Temos assim três momentos: A
interpretação do momento transferencial se realiza com a condição de fazermos
esse silêncio em nós, a fim de que surja o grande Outro para o paciente. Esse
grande Outro pode até tomar a forma de uma interpretação. Temos então as quatro
fases que podem marcar o desenrolar de um tratamento. Naturalmente, não são
quatro fases que podem ser descobertas ao longo de um tratamento. Esses quatro
momentos históricos não se separam: são quatro fases, que se superpõem entre si
e há uma outra, a última, que é a do fim do tratamento. Por ocasião desse
momento fecundo da análise, vão aparecer sintomas novos, próprios da relação
analítica. Freud diz: uma nova neurose artificial substitui a antiga neurose
original, para a qual o paciente veio procurar uma análise.
Texto extraído de: NASIO,
Juan-david. Como trabalho um psicanalista?. Rio de Janeiro: Zahar, 1999.
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